sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Remida - Capítulo 9

Já passaram por uma situação quando seu corpo fica fora do seu controle? Sua mente funciona à mil por hora, mas o corpo não responde. Quando vi aquela foto impressa naquele papel foi assim. Eu pensava um milhão de coisas, mas eu simplesmente fiquei parada, rodeada de rapazes rindo e me provocando. Quando consegui fazer algo, apenas amassei o papel, coloquei no bolso da calça e saí correndo.
Logo que saí do banheiro masculino, Lucas e uns amigos estavam no bebedouro. Eles conversavam sobre o jogo e brincavam entre si. Quando me viu, Lucas encarou por alguns segundos e tudo o que eu queria era poder xingar ele ou machucar ele! Com certeza ele tirou aquela foto, e depois imprimiu pra me humilhar ou e gabar para os amigos.
Encarei-o por alguns segundos e depois saí correndo novamente. Queria estar em qualquer lugar, menos perto dele.
Entrei em uma antiga sala de leitura da escola que sempre estava com a porta aberta. Alguns alunos aproveitavam pra matar aula, fumar ou fazer qualquer coisa ali dentro. Mas, por causa dos jogos, todos estavam bem entretidos com a competição. Eu fechei a porta, coloquei uma cadeira atrás dela e depois sentei. “Como eu saí de desconhecida com uma paixão platônica pelo cara mais popular da escola para garota com foto nua no banheiro masculino?” Eu pensava. Mas não tinha resposta. Não conseguia pensar direito ou acreditar que eu estivesse nessa situação.
De repente, meu celular vibrou. Uma mensagem de texto da Dani.
“Miga te vi correndo, te chamei e tu não ouviu. Onde tu tá?”
Eu precisava da Dani agora.
“Vem pra sala abandonada, tem uma coisa acontecendo.”
“Engravidou. Eu sabia! Bem vi que tava meio gordinha mesmo” Ela não perdia uma.
“É pior”
-
Talvez vocês conheçam muitos xingamentos, mas tenho certeza que se assustaria com a reação da Dani quando viu o papel. Ela atribuiu xingamentos ao Lucas que talvez nem existam de verdade!
            - E você não viu ele tirando a foto, Marcela?
            - Não, Dani! – Eu tentava me explicar em vão – Deve ter sido depois que tudo acabou. Ele colocou a roupa antes de mim e depois pediu que eu colocasse. Eu nem imaginei que ele fosse tirar uma foto! Se soubesse não teria deixado ele fazer isso, né?
Daniele andava de um lado para o outro tentando administrar a raiva que sentia.
            - Eu vou matar esse moleque!
Eu não sabia o que responder.
Antes que a Dani continuasse com sua demonstração de raiva contida, meu celular começou a vibrar muito. Mensagem após mensagem começaram a surgir na tela do meu celular. “Quanto você cobra por uma rapidinha?”, “Deliciosa, ein”, “Lucas se deu bem, quero saber se eu posso?” E mais mensagens chegavam e então não me contive. As lágrimas que, antes eram contidas finalmente tiveram a liberdade pra sair. Minha melhor amiga que, há poucos segundos era pura raiva, se tornou conforto. Chorei por vários minutos com a cabeça deitada no colo dela, enquanto ela repetia que tudo ia ficar bem. Ela pegou meu celular, desligou e guardou na própria bolsa.
-
Os jogos terminaram, as pessoas começaram a ir embora e então Dani achou melhor que saíssemos também. Ter ficado escondida todo o tempo não ia ter adiantado nada porque, mesmo que todos já estivessem fora da escola, ficavam muito tempo na rua conversando. Me viria, me provocariam e talvez fosse pior porque seria na frente de todos. Os que não sabiam da minha vergonha viriam a saber.
            - Não posso sair, Dani. Vão me zoar lá fora. Sei que tá todo mundo lá fora.
            - Então se cobre. Coloca meu casaco, cobre a cabeça e a gente sai rapidinho.
Dito e feito. Concordei, coloquei o moletom rosa da Dani que coube como uma luva em mim. Enrolei todo o cabelo para trás, peguei a mochila e saí. Nenhum sinal de provocação, ótimo. Estávamos andando rapidamente pela calçada e eu até confiava que ia conseguir sair dessa sem ninguém me notar. Foi quando eu senti alguém dando um forte tapa na minha bunda.
Quando me virei, era Rafael, o amigo babaca do Lucas.
            - Quando ele me contou tudo o que aconteceu, Marcela... Ah, agora precisa ser minha vez. – Disse ele alto o suficiente pra todos se virarem para nós.
“Isso não pode estar acontecendo.” Pensei.
Dani entrou na minha frente, deu um tapa na cara do Rafael e gritou:
            - Deixa ela em paz, ou vou te fazer se arrepender de ter nascido homem! E aliás, ainda tenho minhas dúvidas depois da festa de ontem. – Me pegou pela mão e saímos andando.
-

Fomos para a casa da Dani. Eu queria muito poder ver meu celular, mas ela não deixou. Repetia que não me faria bem, que precisava confiar nela e que era melhor assim. Seus pais não estavam em casa. O pai estava trabalhando, e a mãe viajou para a casa de uma irmã que acabara de ter um bebê. Dani era uma amiga maravilhosa. Já perceberam que ela era irresponsável, que bebia nas festas e me dava muito trabalho. Eu sempre fui como “a mãe” pra ela. Mas nessa hora ela me surpreendeu. Ela não me julgou, teve paciência comigo e provou sua lealdade me defendendo do Rafael. Ela não se importou em envolver o nome dela no meu problema, e se ela não estivesse do meu lado, acho que eu não suportaria.
            - Vamos ver um filme, de preferência de terror. – Ela passou a noite procurando uma forma de me distrair.
            - Não tô a fim, Dani. – Respondi. Ela sentou do meu lado no sofá.
            - Vamos! Você precisa ficar bem. Esse tipo de coisa acontece o tempo inteiro com várias meninas por aí. Daqui a pouco todo mundo vai esquecer e vai ficar tudo bem.
            - Não sei se eu vou conseguir esquecer, Dani. – Aí ela se tocou do que se tratava.
            - Você não tá assim só pela foto, né? – Ela pegou a coberta e deitou do meu lado. Por incrível que pareça, cabíamos as duas perfeitamente no sofá dela.
            - Eu passei anos sonhando com ele. Anos fantasiando que ele, um dia, olharia diferente pra mim. Que ele enxergasse quem eu sou de verdade, sabe? Uma pessoa que tinha vontade de fazer ele feliz, de estar do lado dele em toda situação. Mas ele só me usou, Dani. Ele queria uma coisa, e viu em mim uma maneira rápida de conseguir. – ela me ouvia atentamente – O pior é que ele estava certo. Eu cedi tão facilmente, me iludi com tanta rapidez, como eu fui burra. – E de novo as lágrimas rolaram. Daniele me consolava, tentava me acalmar mas nada conseguia.
Logo começamos a ouvir o barulho de chave no corredor, e o pai dela abriu a porta. Se surpreendeu ao vez nós duas lá porque, geralmente, ficávamos na minha casa.
            - Ei, boa noite meninas!
            - Boa noite, pai – Dani levantou para que eu pudesse tentar disfarçar minhas lágrimas.
            - Minha mãe ligou – disse indo em direção ao pai – e ela falou que minha tia tá se recuperando bem.
            - Ah, graças à Deus! – disse Sr Joaquim.
Quando ouvi ele dizendo essas simples palavras, algo tomou conta de mim. Quando ouvi “Deus” foi como se minha culpa se multiplicasse. Se eu tivesse ouvido tudo o que me foi ensinado na igreja sobre sexo, não estaria na situação que estou agora. Mesmo distante de Deus, a opinião Dele sobre mim é importante. Eu estava confortável onde estava antes, quando não era a melhor cristã do mundo, mas não pecava assim nessa frequência. Era quieta, e agora Ele deveria estar me odiando muito.
            - Marcela? – Sr Joaquim interrompeu meus pensamentos
            - Ah... – limpei a garganta e me sentei – Oi.
            - O que quer jantar? Daniele disse que você vai dormir aqui hoje e você sabe que ela é uma negação na cozinha – Disse rindo, pareceu que não notou minha desolação.
            - Olha, por mim qualquer coisa está bom – Tentei estampar um sorriso e parecer simpática, mas ele me conhecia tão bem quanto a filha. Dani estava no telefone ligando para a pizzaria, então não poderia me socorrer.
            - Aconteceu alguma coisa, Marcela? – Ele realmente se preocupava. Era um homem ótimo, um pai ótimo, imaginava que fosse um marido maravilhoso sendo que nunca o vi brigando com a esposa, sequer levantando a voz. Dani era toda errada por causa da influência das pessoas da escola. Por isso era tão importante que a identidade de garota-problema dela fosse mantida em segredo do pai. Ele era muito bom, talvez não suportasse a decepção.
            - Está tudo bem, Sr Joaquim – tentei forçar o sorriso de novo. Entendia como era difícil pra Dani ser ela mesma em casa. A serenidade e a alegria do pai constrangia as coisas ruins que ela fazia nas festas.
            - Eu não acredito em você. Mas se você não quiser me falar, tudo bem. Saiba que pode confiar em mim, mesmo eu sendo o velho e careta pai da sua amiga. – Eu não gostava de mentir pra alguém que parecia ser tão íntimo de Deus.
            - Acho eu o senhor não me deixaria voltar na sua casa se eu te contasse tudo. – Disse de cabeça baixa. – Sr Joaquim me olhou com compaixão.
            - Você conhece a bíblia, Marcela?
            - Um pouco. Quase nada. Era muito nova quando parei de ir à igreja.
            - Tem uma passagem em Mateus, no capítulo 7 que diz assim “Não julgueis, para que não sejais julgados.” Não posso condenar você, porque eu posso ter feito igual um dia, ou pior. Se eu não quero que você me julgue por causa dos meus erros, não vou julgar você por causa dos seus. Pode confiar em mim.
Uma parte de mim queria, desesperadamente, poder contar tudo pro Sr Joaquim. Queria poder perguntar pra ele o que eu posso fazer pra sair dessa, queria poder chorar pra ele. Eu não podia contar para a minha mãe; nossa relação que já era ruim, poderia ficar pior. Daniele me ajudava em tudo que podia, mas era tão perdida quanto eu.
Mas contra todos os instintos do meu corpo de me reservar, eu respirei fundo e contei tudo à ele, e ele me ouvia com toda atenção entre minhas palavras, soluços e lágrimas.

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