quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Remida - Parte 8

Júlia contou nos mínimos detalhes tudo o que aconteceu no quarto com o Lucas. E eu estava ali, sentada dentro da cabine do banheiro, me submetendo a ouvir cada palavra. E a cada risada que elas davam, menos eu conseguia conter o que queria explodir dentro de mim. Era dor, arrependimento e culpa.
Depois que elas saíram, quando o sinal do fim do intervalo tocou, ainda fiquei cerca de 10 minutos ali dentro escondida; de jeito nenhum eu conseguiria encarar essa situação agora.
De repente ouço a voz da Dani do lado de fora da cabine, procurando por mim.
            - Marcela? Tu tá aí ainda?
            - Arram – E isso foi o melhor que eu pude responder.
Dani então encontrou a cabine onde eu estava, e tentou abrir a porta
            -Bora, minha filha! – Disse batendo na porta – Agora vai ser vôlei e nossa sala vai jogar!
“Mas de jeito nenhum eu vou jogar agora!” Pensei. Eu não consegui sequer sair de dentro da cabine do banheiro, que dirá ficar na quadra onde todas as atenções estarão voltadas pra minha sala; o lugar onde Júlia e suas amigas estarão me vendo e, provavelmente, falando sobre meu jeito tosco de jogar. E Lucas também estaria de olho em mim. E o pior: sentindo absolutamente nada.
            - Ah Dani, eu não tô legal não. – Eu precisava me livrar desse jogo, mas Daniele é muito mais inteligente que eu. Se pendurou na porta à ponto de conseguir me ver, fitou meus olhos.
            - Você vai. No jogo passado você arrasou, e tu já viu a colocação da nossa sala? Se você não for, seremos odiadas o resto do ano.
Eu nunca conseguia vencer nenhuma discussão com a Daniele. Ela era mais espera, mais rápida e tinha dom do convencimento. Levantei, destranquei a porta e ficava repetindo na minha cabeça “Isso é pela turma. Só pela turma.”
Eu esperava que minha melhor amiga olhasse pra mim e percebesse o fundo do poço onde eu estava nesse momento, mas ela estava tão animada com o jogo e eu não poderia culpá-la. Até agora, tudo o que ela sabe sobre nossa situação atual é que eu realizei um sonho, e ela finalmente estaria da responsabilidade de ouvir minhas queixas de como eu queria o Lucas pra mim.
Ela saiu correndo do banheiro, eu continuei andando e tentando digerir tudo o que eu havia escutado. Assim que cheguei na quadra, meus colegas gritaram um “finalmente apareceu!” quase todos ao mesmo tempo. Fui até eles, que estavam perto do professor recebendo as orientações. E eu me esforçava para ignorar a arquibancada, e o fato de estar sendo observada pelas pessoas que eu gostaria de esquecer.
O jogo começou. A bola começou a rodar pela quadra adversária, quando chegou na minha, foi direto na minha direção, mas eu não conseguia me concentrar. Bola no chão. Um ponto pro adversário.
Novo saque deles. A bola veio até nossa quadra, rodou, voltou até eles, rodou novamente e voltou até nós. Na minha direção. Bola no chão. Outro ponto pro adversário.
            - O que tá rolando, Marcela? – Perguntou Mateus, com uma expressão feroz.
            - Nada. Dei mole.
Enquanto o saque se preparava, olhei ao redor. Encontrei Lucas não se importando pro nosso jogo. Estava mexendo no celular, rindo e depois mostrou algo na tela para os amigos. Não muito longe dele, estava Júlia e sua tropa. Ao contrário de Lucas, elas prestavam bastante atenção no jogo. Na verdade, olhavam pra mim. Não se importaram com meu olhar. Júlia riu e depois falou algo nos ouvidos das amigas e todas riram.
Uma onda forte de raivas tomou conta de mim. Raiva delas por estarem zombando da minha cara. Raiva da Júlia por ter ido dormir com o Lucas depois de mim. Raiva dele por ter ignorado quem eu sou e me ver só como mais uma. Raiva de mim por ter sido tão idiota, tão imatura e agora me sentia a pior pessoa do mundo.
Os olhos embaçavam mais, as lágrimas queriam cair, mas eu não queria deixar. Não daria esse gosto pra eles. Não deixaria exposto tudo o que eu estava sentindo. Eu queria calar eles, calar os pensamentos deles e os meus.
Saque. A bola veio, rodou e foi direto pro chão do adversário. Ponto para nós. Mateus instantaneamente pareceu mais confiante. Mudamos nossas posições, e eu estava no saque. Levantei a bola no ar, peguei impulso do chão e bati naquela bola com toda a força que eu pude. A bola foi, então, direto e com muita rapidez para a outra quadra, passou por cima da cabeça de todos até o fim, quando bateu na linha de trás. Ponto para nós. Mateus virou para trás, dei um joinha rápido e voltou sua atenção para o jogo.


-


            - Mais um, ein? Já está virando nossa estrela! – Disse Mateus correndo para o bebedouro, enquanto eu apenas andava. Apesar de todo o baque que senti no dia de hoje, ter ganhado o jogo e ter jogado bem me trouxe alguma satisfação.
Andei calmamente até o bebedouro, tentando conter o suor que insistia em descer na minha testa. O banheiro masculino ficava ao lado do bebedouro e ouvi vários rapazes dando gritos e rindo lá dentro. Eles saíram e, quando me viram, começaram a rir mais. Me senti corando, e fiquei confusa ao mesmo tempo. Alguns passaram por mim e disseram “puxa vida, ein” e riam mais.
“O que estava acontecendo?”
Mateus saiu do banheiro rindo, e quando me viu, veio logo falar comigo.
            - Parece que tu arrasa não só no vôlei, ein! – Mateus me olhou de cima à baixo e continuou – Nunca imaginei que você fosse assim, Marcela.
“Sério, o que estava acontecendo?”
Contornei o Mateus, fui até o banheiro masculino e cada passo que eu dava parecia um infinito diferente. Entrei e estava cheio de rapazes rindo e olhando um papel. Olhavam para ele e olhavam para mim e soltavam mais gargalhadas.
Puxei o papel com toda a força que pude da mão de um deles e gelei.
Uma foto minha na cama, no quarto onde o Lucas me levou na festa. Estava nua, deitada, com o rosto virado para a câmera, mas sem olhar pra ela. E eu não tinha mais chão debaixo dos pés pela segunda vez naquele dia.

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