- Amiga,
se você quiser, a gente fica em casa.
- Não Dani, eu quero ir.
- Só falar que ficou com dor de
barriga, eu ligo pra minha mãe e fica tudo certo.
- Não Dani. Cedo ou tarde vou ter
que ir pra escola.
- Mas Mari, você não tem obrigação
de ir agora. Acho que nem eu quero ir.
- Dani nós jogamos hoje, esqueceu?
Silêncio.
Eu sei que a Dani só queria me proteger, evitar que eu encarasse aqueles olhos
curiosos, as brincadeiras de mau gosto, o desprezo das meninas – por mais que a
maioria delas já tenha mandado fotos nuas de propósito, mas nunca admitiriam
isso. Mas eu precisava ir. Não por causa dos jogos, de jeito nenhum por causa
do Lucas. Mas por minha causa. Depois da conversa com o Sr. Joaquim, fui tomada
por uma coragem que não sei de onde veio. Dani apenas acatou meu pedido, pegou
a mochila, deu uma ultima arrumada no batom e fomos à escola.
-
Não notei
nada de estranho nas primeiras aulas. Agradeci à Deus por tudo estar
aparentemente normal, até chegar a hora do intervalo e a diretora resolver
fazer uma “reunião” com os alunos antes de voltarmos para as salas. O papo
sobre exposição na internet foi agradável (lê-se com ironia). Todos olhavam
para mim! Alguns olhavam e desviavam em seguida, outros olhavam e cochichavam
com os amigos. Alguns mais corajosos mostravam algo no celular. Eu só queria me
esconder, mas não tinha escolha. Se eu levantasse e saísse dali, quando todos
estivessem sentados, deixaria estampada que aquela reunião estava acontecendo
por minha causa.
Dani
segurou minha mão e colocou no colo dela. Mais uma vez me surpreendendo
mostrando que pode ser tão “minha mãe” quanto eu posso ser dela.
Não vi o
Lucas em nenhum momento na escola. Nas poucas vezes que vi seu grupo de amigos,
não consegui olhar para eles tempo suficiente pra ver se ele estava ali no
meio; os amigos paravam o que estavam fazendo e começavam a mexer comigo com
assovios e risadinhas.
-
Cheguei
em casa, coloquei a pesada mochila em cima do sofá, procurei rapidamente por
minha mãe e considerando o silêncio, concluí que ela não estava em casa. Fui
diretamente para o banho e, por alguns minutos, deixei a água rolando no
chuveiro e estava me encarando no espelho. Ainda era quinta-feira e eu tinha
passado de desconhecida para nova namorada do Lucas e da noite para o dia me
tornei “a menina da foto”.
Pensava
todas estas coisas me olhando profundamente nos olhos, até começarem a se
encher de lágrimas, até cada uma delas parecer que pesava cem quilos. Elas
caíam com força, sem pedir licença, apenas saltando como se levassem toda essa
confusão de sentimentos. Como?
Senti
saudades, de repente, de uma semana atrás. Quando o máximo que me aproximava da
menina que havia me tornado era ficar deitada na cama com a Dani imaginando
maneiras improváveis do Lucas notar minha existência. Eu sabia que não poderia.
Eu sabia que não deveria. Tudo em mim dizia pra eu fugir!
Entrei
debaixo do chuveiro e deixei as lágrimas irem. Eu queria gritar, queria acabar
com tudo. Era uma surra de sentimentos que eu não conseguia discernir. Sentei
no chão, não liguei pra nada, havia coisas demais dentro de mim e eu precisava
colocar para fora.
Ainda
dentro deste caos, eu me sentia tão sozinha. Não só por estar literalmente
sozinha em casa, mas porque parecia que eu era a única no mundo que estava
passando por essa situação.
Levantei,
acabei o banho, me sequei e vesti a roupa. Quando saí do banheiro, me joguei no
sofá e decidi ligar o celular de novo. Fui passando mensagem após mensagens de
garotos perguntando se eu cobrava caro, outros pedindo fotos exclusivas, até
meninas me julgando e me chamando de todos os nomes possíveis. Três mensagens
da Dani perguntando se eu tinha chegado bem e se eu queira que ela viesse para
cá. Duas mensagens da minha mãe avisando que tinha comida pronta na geladeira.
Cinco mensagens no grupo da família, sendo 3 vídeos de piadas sobre o Lula –
pelo menos meus parentes não sabiam de nada. Uma mensagem de um número que não
estava salvo, mas já tinha visto antes.
011 99999-9999
8:47 “Oi Marcela. Que Deus te encontre nessa manhã. Vocês
saíram tão rápido de casa, não pude nem te lembrar sobre seu encontro de hoje,
por isso resolvi mandar essa mensagem. Não se esqueça: Ele está ansioso pra te
ouvir. Fique com Deus. Sr. Joaquim”
Fui
atingida por um incômodo enorme no momento que li essa mensagem. Eu tinha
esquecido completamente dessa promessa!
Eu não
faria isso, é claro. Como eu simplesmente poderia fechar os olhos, fingir que
Deus estava na minha casa, silenciosamente me ouvindo falar o quanto fui burra
de transar com um garoto
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