quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Uma Viagem Inesquecível - Parte 2

- Eu não vou.
                - Mariana, você tem que ir.
                - Vó, o hospital não deixou você ir pra lá também. Eu não vou deixar a senhora aqui sozinha. Me desculpe, mas eu me recuso.
                - Mariana, me escute. Eu não vou ficar sozinha. Os médicos estão aqui para encher meu saco e cuidar de mim. A Clara – nossa vizinha cujo marido me odeia e a filha me ama – vai ficar aqui comigo me acompanhando durante todo o tratamento e recuperação. – Revirei os olhos e cruzei os braços. – Se você não for, sei que vai querer ficar aqui o tempo todo e vai esquecer da escola. Se você não for, eu me recuso a fazer os tratamentos e vou morrer. Você quer que eu morra?
Minha avó nasceu com o dom de convencer as pessoas e fazer drama. Ela juntou os dois e quando dei por mim, estava no meu quarto arrumando minhas malas para me mudar para Pelotas, no Rio Grande do Sul. Julinha estava me ajudando enquanto seus olhos brilhavam pelas minhas roupas.
                - Acho que você deve levar muita roupa de frio. Semana passada a professora de geografia disse que o Rio Grande do Sul é um estado muito frio.
Julinha tinha apenas 11 anos, mas podia considerá-la umas das minhas amigas mais próximas. Eu nunca a vi como uma pirralha ou alguém cuja companhia não me agradava. Ao contrário, amava quando ela ia na minha casa, e eu sabia que ela me admirava. Nos divertíamos muito juntas, como se fossemos irmãs. Sugeri que eu ficasse na casa dela durante a recuperação da minha avó, mas o seu pai chato que não gosta de mim recusou me aceitar lá dentro. Que culpa eu tenho se o cara é um cafajeste que trai a esposa e eu só contei para ela sobre o caso com a mulher que trabalha no RH? Clara, mãe de Júlia, resolveu esquecer essa história, mas ele não esqueceu quem foi que contou.
                - Você tem razão. Pega pra mim, por favor, aquelas meias rosas ali?
-
Uma semana depois da ligação de Sônia, às 6h30 da manhã eu estava acordada me despedindo do quarto da minha própria casa. Eu acho que poderia ficar muito bem sozinha em casa, mas minha avó, dramática do que é, ainda me vê como um bebê que não sabe fazer um miojo. Ok, queimei duas vezes, mas só porque a novela tinha começado e eu tinha me esquecido dele no fogo!
Clara foi com a Julinha me levar primeiro ao hospital para me despedir da minha avó, e depois me levariam para o aeroporto. Quando cheguei lá, comecei a ficar emocionada em saber que só veria minha avó de novo daqui 2 meses. Mas segurei o choro e foquei nos meus sentimentos de acordar cedo e me mudar para uma cidade fria bem longe dali.
                - Ah, vamos! Vai ser legal! Lembro que você e o filho mais velho da Sônia brincavam juntos quando eram pequenos.
                - Vó, isso foi a décadas atrás!
                - Para de drama! Você vai gostar de lá. Pensa nisso como férias da vida real, ou um intercâmbio.
Fiquei surpresa.
                - Vó, a senhora sabe o que é intercâmbio?
                - Claro! Mariana, eu sou velha, mas não sou tão desatualizada. Eu só não gosto do celular e do computador porque eu não tenho paciência de ficar digitando, você sabe!
                - Ok, ok. Se cuida, tá? Vou te ligar todos os dias pra saber como a senhora está e não dê trabalhos pros médicos e enfermeiros. – Eu disse, olhando para a enfermeira que foi levar os analgésicos da manhã. – Cuidado moça, essa aqui é pior que criança. – Ela apenas sorriu.
                - Não exagera. Boa viagem, minha neta. – Disse minha avó puxando minha cabeça e me dando um beijo na testa. – Se comporta que eu prometo me comportar também.
-
Clara me levou para o aeroporto, e Julinha ficou encantada com o tamanho dos aviões. Depois de criar várias teorias físicas de que ele era muito grande e muito pesado pra ficar no céu, e chorar achando que eu morreria se o avião caísse, me despedi delas. Eu nunca havia viajado de avião na vida, e passar por essa experiência totalmente sozinha não seria nem um pouco agradável.
Escolhi uma poltrona do lado da janela. Queria ver as nuvens de cima e tirar várias fotos lindas para postar. Adormeci durante a viagem, me poupei de pensar nas teorias malucas da Julinha e no desespero que elas poderiam me trazer. Estava um dia lindo, o céu azul, sem sinais de tempestades. Eram 9h30 da manhã e estava tudo bem.
Quando pousei no João Simões, recebi mensagens de Sônia. Ela parecia gostar mais de celular do que a minha avó.
“Estamos ansiosos pra te conhecer! Estou em casa te esperando e Geraldo vai te buscar! Espero que ele te reconheça! Bjs”
Peguei minha bagagem, e procurei o tal Geraldo. Fiquei confusa, não lembrava se era filho ou marido da Sônia, até que vi aquela figura barriguda, com uma placa escrito “Mariana – São Paulo” com um largo sorriso debaixo do bigode grosso.
Andei desengonçada até Geraldo, que me recebeu com um caloroso – e sufocantemente apertado – abraço. Eu não respirava. E esse é o final da sentença. Eu apenas não respirava e fiquei ali, tateando o braço daquele homem implorando mentalmente por misericórdia. Mas ele tinha um cheiro bom, incomum, mas bom.
                - Guria! Como tu cresceu? Lembro que tu era bem baixinha quando te vi pela última vez – disse o grande homem, enquanto pegava minha bagagem. – Vai ser ótimo o tempo que tu vai passar aqui com a gente.
Eu só concordei e sorri timidamente.

Isso também era o que eu esperava.

Nenhum comentário:

Postar um comentário